Poesias sobre cartas de amor

Francisco Arozena
24/4/2023

Organizei esta seleção de poesias que falam sobre cartas de amor. Aproveita!

Fernando Pessoa (1888 - 1935)

  • Fernando António Nogueira Pessoa foi um poeta, filósofo, dramaturgo, ensaísta, tradutor, publicitário, astrólogo, inventor, empresário, correspondente comercial, crítico literário e comentarista político português.
  • Os heterônimos de Fernando Pessoa são criações que fascinam leitores no mundo inteiro. O autor português, nascido em 1888, tinha vários heterônimos, isto é, autores fictícios que assinam algumas de suas obras. Cada um deles tem características pessoais e literárias próprias.
  • Nas publicações realizadas durante sua vida, Fernando Pessoa assinou apenas uma obra em língua portuguesa, o livro Mensagem, publicado em 1934, um ano antes do falecimento do autor."

Todas as cartas de amor são ridículas - Álvaro de Campos (Heterônimo

Todas as cartas de amor são

Ridículas.

Não seriam cartas de amor se não fossem

Ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,

Como as outras,

Ridículas.

As cartas de amor, se há amor,

Têm de ser

Ridículas.

Mas, afinal,

Só as criaturas que nunca escreveram

Cartas de amor

É que são

Ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia

Sem dar por isso

Cartas de amor

Ridículas.

A verdade é que hoje

As minhas memórias

Dessas cartas de amor

É que são

Ridículas.

(Todas as palavras esdrúxulas,

Como os sentimentos esdrúxulos,

São naturalmente

Ridículas.)

Manoel Bandeira (1886 - 1968)

  • Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho foi um poeta, crítico literário e de arte, professor de literatura e tradutor brasileiro. É considerado como parte da geração de 1922 do modernismo no Brasil.

Cartas de meu avô

A tarde cai, por demais

Erma, úmida e silente…

A chuva, em gotas glaciais,

Chora monotonamente.

E enquanto anoitece, vou

Lendo, sossegado e só,

As cartas que meu avô

Escrevia a minha avó.

Enternecido sorrio

Do fervor desses carinhos:

É que os conheci velhinhos,

Quando o fogo era já frio.

Cartas de antes do noivado…

Cartas de amor que começa,

Inquieto, maravilhado,

E sem saber o que peça.

Temendo a cada momento

Ofendê-la, desgostá-la,

Quer ler em seu pensamento

E balbucia, não fala…

A mão pálida tremia

Contando o seu grande bem.

Mas, como o dele, batia

Dela o coração também.

A paixão, medrosa dantes,

Cresceu, dominou-o todo.

E as confissões hesitantes

Mudaram logo de modo.

Depois o espinho do ciúme…

A dor… a visão da morte…

Mas, calmado o vento, o lume

Brilhou, mais puro e mais forte.

E eu bendigo, envergonhado,

esse amor, avô do meu…

Do meu – fruto sem cuidado

Que inda verde apodreceu.

O meu semblante está enxuto.

Mas a alma, em gotas mansas,

Chora, abismada no luto

Das minhas desesperanças…

E a noite vem, por demais

Erma, úmida e silente…

A chuva em pingos glaciais,

Cai melancolicamente.

E enquanto anoitece, vou

lendo, sossegado e só,

As cartas que meu avô

Escrevia a minha avó.

Joan Margarit (1938 - 2021)

  • Joan Margarit i Consarnau foi um poeta, arquiteto e catedrático da Universidade Politècnica de Catalunya. Recebeu o Prêmio Miguel de Cervantes em 2019.

Não jogues fora as cartas de amor!

Elas não te abandonarão.

O tempo passará, apagar-se-á o desejo

— esta flecha da sombra —

e os rostos sensuais, belos e inteligentes,

ocultar-se-ão em ti, no fundo de um espelho.

Passarão os anos. Cansar-te-ão os livros.

Decairás ainda mais

e perderás até mesmo a poesia.

O ruído da cidade nas vidraças

acabará por ser tua única música,

e as cartas de amor que houveres guardado

serão tua última literatura.

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