17/6/2023

#17 - Filosofia e basquete - 1° quarto: Quem sou eu quando estou dentro da quadra?

Haverá alguma forma de filosofar sobre o basquete? Há alguma forma de respondermos às problemáticas humanas a partir de uma reflexão do jogo de basquete? Quando jogam, as pessoas dizem esquecer-se de todos os problemas, de por alguns momentos terem a impressão de que estão em alguma outra dimensão, em outro plano… mas… não será o próprio basquete uma forma de lidar com a vida ao invés de escapar-se dela? Não será o basquete já nossa vida e nele não estaremos também procurando resolver e compreender os problemas que nos esperam do outro lado das linhas que delimitam o templo que é a quadra de basquete? Assim como o jogo de basquete que se joga em seus quatro quartos, eu pretendo pensar o basquete em 4 textos e mais um, o Overtime.
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Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.

Edição dessa semana:

#17 - Filosofia e basquete - 1° quarto: Quem sou eu quando estou dentro da quadra?

Investimento: 

O que a filosofia tem a ver com o basquete?

Pensar o basquete a partir da ótica filosófica exige que inicialmente pensemos sobre o que a filosofia propõe como atividade teórica e também prática, pois, afinal, não podemos negar que a filosofia é uma atividade vinculada ao pensamento e à reflexão, mas também é uma atividade que procura unir o saber ao fazer, mas então… o que caralhos a filosofia tem a ver com o basquete?

Quando pensamos em um esporte, especificamente o basquete, não pensamos em um loco falando sobre a teoria do jogo de basquete, escrevendo linhas e linhas a respeito da metafísica do basquete, da conduta ética, da essência do jogo, de seus objetivos para além da vitória, enfim… Se pensamos em basquete pensamos em uma cesta foda, em um buzzer beatter (cesta para ganhar o jogo em que a bola está no ar mas o tempo já acabou), em uma enterrada, numa assistência linda, pensamos no jogo enquanto ato, prática, execução, produção.

O que proponho a partir da filosofia é que nos voltemos não para aquilo que é visível aos olhos, mas que esvaziemos a quadra por alguns instantes (não saiamos dela, isto é importante!) que silenciemos os gritos e os ruídos dos tênis no parquet, que observemos um pouco tudo o que aqui ocorre… e então provavelmente irás te seduzir a me dizer: “mas é que eu só quero jogar!” e então eu vou te perguntar: e é somente disto que trata o jogo?

Afirmo eu: não, não é! O jogo está para além das linhas, o jogo não se faz somente com corpos correndo e saltando; há em jogo uma mente e uma mentalidade, há um universo que se desenvolve entre as linhas, um universo que jamais compreenderemos totalmente mas que está ali a esperar que o questionemos, que façamos dele muito mais do que ele parece propor.

A filosofia incita a sair do senso comum, propõe que entendamos o que parece não precisar ser entendido. Compreender aquilo que fazemos torna as coisas mais belas; quando somos conscientes temos mais força; temos independência e o principal: escolhemos.

Como iniciaremos a pensar o basquete?

Pretendo fazê-lo aos poucos, este é o nosso primeiro quarto e ainda temos mais três pela frente, então não vamos queimar a largada… No primeiro quarto todos temos de entrar no jogo, temos que nos concentrar juntos, afirmar-nos em quadra, aliviar o nervosismo.

Aquilo que estamos tratando aqui é de uma atividade prática (o basquete) e as reflexões que dela nascem tratam de como esta atividade afeta ao indivíduo em sua subjetividade, pois partimos da afirmação que se fazem por todas partes: que o basquete molda quem somos em nossa vida fora de quadra.

Portanto, entendamos quais são as influências destas ações que se executam em quadra que transformam-se em reflexos para nossa vida.

Proponho que pensemos o basquete desde dentro de quadra e expandamos nossa visão para a nossa vida fora dela. Que tentemos entender como o basquete pode influenciar-nos a tal ponto de que seus ensinamentos possam ser transpostos para a vida cotidiana: para o nosso trabalho, nossos estudos, nossas relações, enfim: o que é que há no basquete que levamos para nossa vida?

Assim, para podermos responder a esta questão, primeiro teremos que entender algumas outras coisas e eu aponto para a seguinte questão:

Quem sou eu quando estou dentro de uma quadra de basquete?

Há três noções fundamentais que quero tratar com relação a como o indivíduo se encontra enquanto está na quadra de basquete, quais são as condições que o afetam e como ele se relaciona com elas, quais são suas possibilidades dentro delas e principalmente, como ele se percebe.

A primeira noção fundamental é a do:

1. Organismo

O primeiro que percebemos quando o jogador entra a uma quadra de basquete é que ele não está sozinho; não é um indivíduo isolado, emancipado, como tampouco o é quando está fora da quadra, em sociedade. Na quadra compomos um grupo de pessoas, de atletas e de treinadores, um time que representa um clube, portanto, somos parte de um organismo, que nos excede pois já nossas decisões não cabem somente a nós mesmos mas influenciam toda esta rede de elementos.

Há aqui um ponto essencial da reflexão: nossas possibilidades de ação não são ilimitadas. As decisões que tomamos em quadra envolvem todos estes pontos de conexão que mencionei anteriormente, então, dentro de quadra somos condicionados por estas relações entre companheiros de time, treinador, time, clube, torcedores. Assim**,** o indivíduo dentro de quadra é uma composição, é um conjunto, não está sozinho, suas decisões concernem a todos, suas atitudes também.

Desta composição (o organismo) nasce em cada indivíduo que a compõe uma responsabilidade.

Responsabilidade

Este é o primeiro conceito que quero trabalhar com vocês e que considero um dos mais importantes ao tratar sobre a questão: quem somos dentro da quadra?

Falar em responsabilidade é falar em escolha, em assumir um compromisso que é ao mesmo tempo uma liberdade e uma privação de liberdade. Sou livre na medida em que escolho assumir este compromisso e torná-lo minha responsabilidade, mas também privo minha liberdade na medida em que este compromisso limita meu comportamento.

Sou parte de um organismo, sou uma parte e sou o todo, sem mim há uma ruptura e isto desestabiliza o organismo, portanto, minha responsabilidade é de manter este organismo estável, progredindo, melhorando e assim, quando melhoro enquanto parte, também melhoro o todo. Esta é uma das coisas mais belas do basquete, este jogo jogado em equipe: que o time se melhora enquanto cada um melhora como jogador, quanto melhor for cada um dos jogadores, melhor será o time; isto parece simples em primeira vista, mas exige um grande esforço fazer com que cada um dos jogadores que compõe o time compreenderem esta conduta.

Certa vez o Athos, treinador do time Corinthians de Santa Cruz do Sul, nos disse a mim e ao time: “O basquete é o esporte coletivo mais individual que existe.”

2. O universo próprio

Falar em universo próprio é falar em um espaço e um tempo próprios e característicos do jogo de basquete. O jogador faz-se neste espaço que é a quadra de basquete, limitado pelas linhas que a circundam, pelo banco de suplentes, a mesa dos mesários, a arquibancada, os vestiários: tudo isto compõe o espaço em que o individuo pratica o jogo e este espaço será aquele no qual ele se desloca em um determinado tempo.

O tempo não é somente a divisão entre os quatro quartos, o intervalo e a possibilidade de prorrogação, mas também o tempo que antecede o jogo, o aquecimento e também após o jogo. É interessante pensarmos em como o tempo está condicionando a todo momento o jogador: em todo lance em que a bola para, a vista é alçada ao placar para verificar o tempo: o jogador está em uma corrida constante contra o tempo e é neste embate em que o desejo do jogador de que aquele tempo dure mais ou que dure menos é que há uma chave interpretativa bastante importante para entender a subjetividade do jogador.

Ele luta contra o tempo pois ou quer que o jogo dure mais ou quer que ele acabe o quanto antes: isto se dá em circunstâncias específicas de se o seu time estiver ganhando ou perdendo. Independente do resultado em que seu time se encontre os jogadores querem manipular o tempo a todo momento e isto é possível na medida em que se pode pará-lo com um tempo técnico, com uma bola que sai da quadra, com uma falta ou algo do tipo.

Mas o jogador nunca encontra uma total satisfação em seu desejo de manipular o tempo pois há eventos que fogem ao seu controle e esta tensão constante, esta irrealização e expectação são os guias para suas ações e constroem um mapa da mentalidade que ele terá durante aquele espaço e tempo que compõem o jogo de basquete.

3. A mentalidade

Só há um objetivo para o jogador de basquete enquanto ator do jogo: vencer. Não há sequer um jogador na história do jogo de basquete que tenha entrado a uma quadra para perder. A vitória é o motor de toda ação, de todo movimento, de toda palavra, de toda jogada, de todo esforço, de todo erro e acerto.

Portanto, a mentalidade do jogador aponta para este fim, todas suas ações pretendem o acerto e seu dever para com o organismo é o de acertar o máximo possível, mesmo errando e sabendo que errará, sua intenção é a do acerto.

Este nível de exigência psíquica, de pressão e tensão constituem a mentalidade do jogador enquanto ator do jogo, enquanto aquele que o efetua em sua prática e esta mentalidade constitui a subjetividade dele dentro do espaço e tempo do universo da quadra de basquete.

Assim, podemos pensar que a mentalidade do jogador é hostil, dura, inflexível, mas isto não quer dizer que ele possa usar-se de todas as ferramentas para vencer, pois haverá uma dimensão normativa que o limitará, e também uma ética, que será objeto de estudo nos próximos quartos.

É mister que a gente seja claros: estamos aqui falando do jogo de basquete competitivo, o qual leva às últimas consequências a mentalidade dos jogadores. Assim, quero entender como este indivíduo em quadra se constitui, como que todas estas condições que o constroem são peças que ele estenderá à sua vida cotidiana.

Algumas questões nascem para os próximos textos:

E se na vida real somente nos fosse permitido acertar? Como seriam nossas atitudes se ao mais mínimo erro nos demitissem? Ou se deixássemos de performar de forma que se espera que as pessoas nos uivassem e nos criticassem?

A mentalidade do jogador de basquete foi aqui colocada em exposição e suas condições de ação também, agora nos cabe compreender o que o jogador pode fazer com isto. Como ele lida com estas noções que mencionamos, quais são suas percepções?

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:

Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.

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O que me agrada é pensar que existe para cada pessoa que está no mundo uma filosofia; que a partir de sua individualidade possa refletir e escolher, assim tentando aproximar-se à sua própria verdade.
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O jogador desce as escadas que dão ao estádio. Lhe invade uma ânsia de vomito e sente o seu estômago soltar-se, como que desprender-se do seu corpo. Tal qual uma nota musical que aparece em meio ao silêncio o jogador se faz notar na quadra: ele é este ator que apresenta-se ao cenário, os holofotes o iluminam, os aplausos o elevam, ele está agora à vista, está exposto.
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