2/7/2023

#18 - Filosofia e Basquete: 2° Quarto - O Jogador de basquete: este artista

O jogador desce as escadas que dão ao estádio. Lhe invade uma ânsia de vomito e sente o seu estômago soltar-se, como que desprender-se do seu corpo. Tal qual uma nota musical que aparece em meio ao silêncio o jogador se faz notar na quadra: ele é este ator que apresenta-se ao cenário, os holofotes o iluminam, os aplausos o elevam, ele está agora à vista, está exposto.
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Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.

Edição dessa semana:

#18 - Filosofia e Basquete: 2° Quarto - O Jogador de basquete: este artista

Investimento: 

O jogador de basquete é um ator

O jogador de basquete é um ator na medida em que ele realiza atos, não os contempla e nem os interpreta, assim, o jogador está na quadra como o ator está no palco. E da onde surge está relação? Estamos dizendo que o jogador na quadra, assim como o ator no cenário está somente encenando algo? Seremos imprudentes o suficiente para dizer que então o jogo de basquete não passa de uma encenação na qual há personagens inseridos “temporariamente” mas que ao soar da buzina final e ao apagar das luzes tudo isto não terá passado de um mero espetáculo, um faz-de-conta no qual nos emocionamos e somos parte mas somente na medida em que todos acreditamos que este faz-de-conta seja real?

O esporte se constrói a partir do sentido que nós lhe damos: não há basquete, não há esporte sem um ser humano que o pense e lhe atribua um sentido.

É próprio da filosofia se colocar estes questionamentos mas também o foi para mim quando jogava e sentia que aquele momento em que eu adentrava à quadra de basquete e criava e inventava e jogava e experimentava coisas, que aquele momento era como que uma cena em um palco. O atleta está exposto, sim, isto é o que digo: está exposto ao olhar de uma torcida, de uma arquibancada, e, portanto, seus gestos estão submetidos aos olhos alheios, ele é participante de um ato que entretém, portanto, ele é (mesmo que assim o não queira e que se negue a pensar-se assim) um entertainer.

O basquete: esta forma de arte

Sempre prezei por um jogo autêntico, com gestos estilosos como em uma dança, como no jazz, mexer-se com presença, com ousadia, criando um jogo próprio para assim distinguir-me. Poderei ser criticado de preciosista, arrogante, cheio-de-si, mas, assim também não o são os artistas? Eu aqui venho a dizer algo que não me atrevo a não dizer: que o basquete é uma forma de arte e quem o realiza, quem é ator (os jogadores) do jogo são os artistas deste jogo: os que driblam a bola, que giram, se chocam, se emaranham, os que realizam um arremesso e enfeitam as quadras de uma poética imagem que está pelos ares e pelo chão; a estes jogadores eu os assumo como artistas do jogo.

Poetry in motion

Diz-se de Michael Jordan esta famosa frase quando em uma de suas bandejas surreais que ele fazia Poetry in motion (poesia em movimento). O que seria a poesia em movimento se não a invenção artística de um criador do jogo?

Assumimos o abstrato no basquete mas também o objetivo e concreto. Para além desta parte artística o basquete também é normativo e nos permite criar jogadas lindas e movimentos poéticos dentro de limites. Assim, embarcamos em um território sinuoso: estamos aqui falando que o basquete é uma prática artística, performática, com um sentido ainda duvidoso, com uma finalidade que não se adequa aparentemente ao que estamos propondo. Portanto pensemos em sua finalidade, seus objetivos últimos.

Qual a finalidade do basquete?

O basquete é uma criação do ser humano, assim como o dinheiro o é, portanto, isto somente existe na medida em que o ser humano acredita que isto existe, que isto é real, que isto tem um sentido e uma finalidade. Mas qual é a finalidade do basquete? Há algum fim que o basquete persiga?

É aqui onde decidimos olhar para o horizonte, é aqui onde o silêncio nos percorre. Todo jogo contém em si uma unidade na qual dois espectros rondam-no e lhe dão aparentemente um sentido e uma finalidade: a vitória e a derrota. Jogamos o jogo porque nos divertimos e porque amamos a sensação que nos percorre mas nos lhe atribuímos a tudo isto uma finalidade: a competição, pois, se não, parece que o jogo não se completa, parece que o jogo pelo próprio jogo não tem a graça que uma competição lhe dá.

Isso quer dizer que não há jogo sem vitória nem derrota? Não! Pois as noções de vitória e derrota são também invenções humanas, e já não temos exemplos em demasia na natureza de animais que brincam sem motivo algum? Cachorros que se perseguem e jogam com nenhuma finalidade a não ser a pura brincadeira? Mas nós lhe damos estas características que para nós são importantes, nossa sociedade alimenta uma necessidade imanente de ganhar, vencer, de ter sucesso, de ser o melhor e o esporte, como o já dissemos, é um reflexo de sua sociedade: o esporte não seria tão reconhecido se não houvesse um placar e um campeão.

Não podemos erigir o basquete e seu sentido final somente pelos seus resultados interiores: a vitória ou a derrota, tampouco pela glória individual de certos jogadores e o fracasso de outros. Temos de ser menos categóricos mesmo que a competitividade nos obrigue a indicar vencedores e perdedores… mas, alegando que o basquete é uma forma de arte, então como falar em arte e competitividade? Há vencedores na arte?

Penso em basquete e arte como criação, invenção, movimento, desejo, realização, expressão, mas esta visão se confronta com a visão usual: basquete como competição, desafio, exigência. Penso no romance do Kundera, “A insustentável leveza do ser” e penso que há aqui uma espécie de oposição entre dois mundos como os há no livro: o da leveza da arte e o do peso da competição, mesmo assim, estes valores se confundem e podemos encontrar leveza na competição e o peso na arte, mas temos de dar nome às coisas e valores, pois se não, não há discurso.

Se o basquete é uma forma de expressão artística e performática como o quero expressar aqui isto não lhe nega a necessidade de resultado e nem seu caráter competitivo: ambas as coisas podem unir-se e serem prezadas pelo que são. Não digo que porque o jogador é um artista que ele prescindirá da vitória e de sua vontade de ser o melhor, mas, mesmo que isto seja polêmico, eu sempre prezarei pela beleza; a criação em contra da re-produção, a arte que não exige resultado; é esta a imagem que vejo: eu quando era uma criança que brincava e me divertia e perdia horas a fio dentro de uma quadra em um calor infernal de verão sem sequer pensar em vitória ou derrota, em resultado, em futuro, somente brincando e me divertindo pelo momento presente: jogando o jogo que se realiza por si mesmo, como as linhas de um quadro que jamais se pintam por completo.

*As fotos foram tiradas pelo Gabriel Heidrich fotógrafo oficial da Liga de Basquete Amadora de Porto Alegre RS durante uma partida com o time que jogo.

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:

Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.

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O que me agrada é pensar que existe para cada pessoa que está no mundo uma filosofia; que a partir de sua individualidade possa refletir e escolher, assim tentando aproximar-se à sua própria verdade.
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Haverá alguma forma de filosofar sobre o basquete? Há alguma forma de respondermos às problemáticas humanas a partir de uma reflexão do jogo de basquete? Quando jogam, as pessoas dizem esquecer-se de todos os problemas, de por alguns momentos terem a impressão de que estão em alguma outra dimensão, em outro plano… mas… não será o próprio basquete uma forma de lidar com a vida ao invés de escapar-se dela? Não será o basquete já nossa vida e nele não estaremos também procurando resolver e compreender os problemas que nos esperam do outro lado das linhas que delimitam o templo que é a quadra de basquete? Assim como o jogo de basquete que se joga em seus quatro quartos, eu pretendo pensar o basquete em 4 textos e mais um, o Overtime.
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