15/7/2023

#19 - Fazer filosofia é brigar com teu pai

O que me agrada é pensar que existe para cada pessoa que está no mundo uma filosofia; que a partir de sua individualidade possa refletir e escolher, assim tentando aproximar-se à sua própria verdade.
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Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.

Edição dessa semana:

#19 - Fazer filosofia é brigar com teu pai

Investimento: 

"Para que te fazes tantas perguntas, filho?"

Exortação

Faz já algum tempo que escrevo para o Desfilosofia. Sei que estes últimos tempos tenho sido um pouco irregular mas se trata de uma fase, logo normalizarei a situação, naturalmente. O projeto segue vigente com a tentativa constante de melhorar e levar a filosofia da forma mais acessível e divertida para ti. Na edição de hoje, gostaria de tratar de algo que há muito tempo tenho vontade de tratar aqui e que é também matéria de meus estudos constantemente:

O que é, afinal, a filosofia?

Não esperem que aqui eu lhes dê respostas a lá Wikipedia… não tenho tampouco a pretensão de alcançar um significado definitivo, uma definição. Se há algo difícil nesta terra é reunir tudo o que a filosofia dispersa em cada questão que se faz; penso, e repenso, que ela se encontra em tudo, que ela é como uma criança que quer compreender tudo, e assim, bisbilhota até onde não a chamam, principalmente nas gavetas que se fecham às 7 chaves. Filosofar é coçar-se onde não coça, pois é tocar em questões que parecem estar no silêncio do vácuo. A filosofia desnaturaliza o natural; quando ela entra à sala todos abrem os olhos, dizem “nunca havia pensado nisso dessa maneira” e se arremessam no mar dos pensamentos como quem se joga à um abismo infindável.

O que me agrada é pensar que existe para cada pessoa que está no mundo uma filosofia; que a partir de sua individualidade possa refletir e escolher, assim tentando aproximar-se à sua própria verdade. Sim, o Desfilosofia declara que cada um possui a sua verdade, me alio aos sofistas, a um Protágoras que declarava “Homo Mensura” (O homem é a medida de todas as coisas) e me afasto de Platão e de sua transcendência.

Pois falar em filosofia e ao que a filosofia objetiva em sua realização é falar em procura e amor pela verdade, daí sua palavra philosophia: amor pela sabedoria.

Mas, como saber qual é a minha verdade?

No momento em que ingressamos ao mundo somos jogados a uma sociedade que nos sujeita, nos condiciona e nos coloca uma lente com a qual enxergamos a realidade. Vemos surgir assim a sensação eminente de uma vertigem: a visão turva que oblitera nossa percepção entre aquilo que somos e aquilo que fizeram da gente. Como compreender se o que quero não é na realidade um “querer” que a sociedade me injetou? E aqui o querer entenda-se como aquilo que compreendo e aquilo que acredito ser a verdade.

Assim, parece-me que para alcançar a verdade (nossa verdade) primeiro se trate de romper as correntes que nos colocaram, realizar a ruptura, a martelada no muro das Verdades (com V maiúscula mesmo) impostas e estabelecidas, desfazer-se dos Ídolos e Deuses da sociedade: estes que nos modularam, que fizeram da gente algo que não fala sobre o que desejamos nem sobre o que é nossa verdade mas sobre o que é melhor para manter-se a ordem e a civilidade.

A verdade, que é conhecimento, é um poder que sujeita, portanto, quando impõe-se uma verdade como única e certa, devemos desconfiar das instituições que sustentam esta verdade de forma tão dogmática e por que o fazem.

Já o dizia Nietzsche: "A necessidade da verdade é uma compulsão pelo poder."


A filosofia, esta perturbadora da paz!

Li esses tempos uma frase que o Karl Jaspers escreveu em um livro introdutório ao pensamento filosófico (interessante para aqueles que queiram saber mais sobre com o que a filosofia está preocupada), ele escreve assim: “a filosofia é perturbadora da paz”. Mas que atividade bem estranha essa que pretende perturbar a paz… já não temos problemas suficientes em nossa sociedade? Por que procuraríamos perturbar a calma?

É como se todos estivéssemos sedados, anestesiados vendo o mundo e seus fenômenos tal como se apresentam, nesta suposta "paz" ou "calma" e a filosofia viesse como um raio para romper vidros e colocar música alta, nos arrancando desta hipnose imobilizadora.

E será a procura pela verdade sempre uma perturbação e viver na ilusão/mentira o seu contrário? Poderá alguém que procura a verdade encontrar a paz? Mas... não será esta procura descomedida e esta força que fazemos em vão?

Pois, haverá tal coisa como aquilo que chamamos de verdade que possa vir a ser revelada a nossos olhos?

Todas estas questões atravessam a literatura filosófica desde que o mundo é mundo, mas como não há aqui espaço para dar conta de cada uma delas (não que eu fosse capaz disso) e como não pretendo dar conta de uma definição de filosofia de forma universal, proponho pensar o que é a filosofia para mim, Francisco. Assim, me responsabilizo somente por mim e por aqueles que quiserem abraçar as palavras que aqui redijo.


A filosofia para mim

Alguns meses atrás, não sei bem como, não sei bem onde, cheguei a uma realização; cheguei a ela lentamente, sabendo que sua formulação se constrói através de anos perpassados por suas mudanças. Tratarei esta realização a partir da literatura do relato: há nesta trama dois personagens principais que se confundem e se entrelaçam, são eles um pai e um filho.

Após uma discussão árdua com meu pai lancei-me ao computador a escrever, assim como tantas vezes no passado o havia feito. Havia chegado à minha casa feliz, extasiado por ter vivido um dia belo. Não sabia eu, mas na cozinha me aguardava meu pai, com uma expressão contrita e angustiada; o fustigavam seus pensamentos: uma dilatada angústia que se estende pelos séculos e que é vertida naquele pequeno espaço da cozinha onde se localiza a pia. A esta angústia ele tentava fazê-la desaparecer projetando-a no ato de limpar os pratos da louça. Assim que me viu cantando e dançando, ele focou essa angústia em mim, e começou a jogar com todo seu afeto destruidor as facas e os garfos que lavava, lançou-me pratos e se pudesse talvez teria me jogado a pia inteira.

Me senti ferido, mas não compreendi como aquilo poderia ser diferente; era como se aquela transposição de dor fosse também a que anos atrás ele injetou no útero de minha mãe: uma dor que ultrapassa as palavras, uma dor hereditária e portanto, natural.
Foi então que compreendi que nossos pais jogam ao mundo anzóis, nós somos os Filhos-Anzóis e estamos carregados pelas verdades, dores e traumas dos que nos lançam ao mar e quando estes percebem o anzol escapando de sua linha o puxam com força, o chicoteiam para que ele volte.

Poucas semanas atrás li em um texto de Ja Bergson a seguinte frase: o primeiro ato filosófico é a negação. Foi então que compreendi o que é a filosofia para mim, e correndo ao meu caderno escrevi a seguinte frase:

Fazer filosofia para mim é brigar com meu pai, é dizer-lhe não.

Foi assim como a filosofia se fez presente em minha vida: questionando a Verdade do meu pai, que era a que ele impusera a mim, mesmo sem fazê-lo propositalmente. Então a filosofia se transformou em um grito de rebeldia, uma potência que procura a libertação, um movimento, uma negação, uma resistência; para mim a negação é o grito do adolescente inconformado e a questão é a curiosidade da criança maravilhada.

Eis o que a literatura mais dramática chamaria de um parricídio: matar o Pai, que é o senhor da verdade e da razão e criar algo novo a partir disso; responder, desrespeitar, sair do controle, sair da ordem, dizer não à razão vigente e inquestionada e criar algo novo, criar, inventar.

Antes de sair à procura pela verdade eu preciso dizer não à verdade que se impõe a mim como verdade. A filosofia, esta arte de fazer perguntas, comporta não somente a questão como também a negação do que é imposto como "verdadeiro e pronto". A filosofia diz:

- Eu não quero o que é verdadeiro e pronto, e então questiona: Por que isto é verdadeiro?

Belchior o escreveu no quadro da história:

“Enquanto houver espaço, corpo, tempo e algum modo de dizer não

Eu canto…”

Sinto que não alcanço dizer o que gostaria de dizer sobre o que a filosofia representa em minha vida, mas como fazê-lo?
Penso que minha luta contra meu pai é uma forma também de expressar meu amor a ele, de incomodá-lo para causar-lhe o movimento interno que lhes quero causar a ustedes.

*Dedico esta edição ao meu pai, Alejandro Arozena, a quem devo a filosofia e a procura incessante pela verdade, a minha verdade. Te amo veio, te admiro e te respeito pelo que és.

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:

Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.

Vou lançar para vocês uma questão:

O que é a filosofia para ti?

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O jogador desce as escadas que dão ao estádio. Lhe invade uma ânsia de vomito e sente o seu estômago soltar-se, como que desprender-se do seu corpo. Tal qual uma nota musical que aparece em meio ao silêncio o jogador se faz notar na quadra: ele é este ator que apresenta-se ao cenário, os holofotes o iluminam, os aplausos o elevam, ele está agora à vista, está exposto.
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Haverá alguma forma de filosofar sobre o basquete? Há alguma forma de respondermos às problemáticas humanas a partir de uma reflexão do jogo de basquete? Quando jogam, as pessoas dizem esquecer-se de todos os problemas, de por alguns momentos terem a impressão de que estão em alguma outra dimensão, em outro plano… mas… não será o próprio basquete uma forma de lidar com a vida ao invés de escapar-se dela? Não será o basquete já nossa vida e nele não estaremos também procurando resolver e compreender os problemas que nos esperam do outro lado das linhas que delimitam o templo que é a quadra de basquete? Assim como o jogo de basquete que se joga em seus quatro quartos, eu pretendo pensar o basquete em 4 textos e mais um, o Overtime.
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