Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.
Edição dessa semana:
#10 - Para amar é preciso parar de acreditar no Amor.
Investimento:
12 minutos

“O coração tem razões que a razão desconhece.”
Blaise Pascal
O amor romântico
“Eu não acredito no amor romântico” me disse Anto enquanto caminhávamos à margem do rio Senna em Paris, num horário no qual os ratos se sentiam confortáveis para sair dos bueiros e a igreja de Notre Dame parecia mais um circo do que qualquer outra coisa.

Logo lhe perguntei sobre o que significaria esta tal concepção de “amor romântico” e ela elaborou uma tese ornamentada, bem confusa e se agarrando em quantos galhos via pela sua frente para no fim, terminar com uma frase que resumiu toda aquela exposição desnecessária:
—É aquele amor de filme que nos vendem… sabe?
A comercialização de um ideal de amor
Gostei dessa noção de amor romântico que Anto expôs e mais ainda da ideia de uma comercialização dele, ou seja: do amor como produto, como mercadoria (quando falo que gostei é desde a ótica crítica). O estranho é que, colocados desde o lugar de clientes, ou seja, receptores, nos vemos quase que como condicionados a comprar esse produto, e por que? O vendedor está nos enfiando goela abaixo? Está nos obrigando a comprar algo que não queremos?
Não, não é que nos obriguem a comprar estas ideias… mas temos que fazer um esforço muito grande para tentar escapar à esta normatividade na qual já estamos mergulhados até as unhas dos pés. O negócio é que nossa aparente “escolha” daquilo que queremos ou não, está totalmente distorcida: quando pensamos estar escolhendo na realidade estão escolhendo por nós.
Estamos amando da forma que queremos ou da forma que nos disseram que se ama?
Herbert Marcuse, membro da escola de Frankfurt, fala sobre a criação de falsas necessidades impostas pelas instituições e poderes vigentes de cada época. Ele diz o seguinte:
“O fato de a possibilidade de se fazer ou deixar de lado, gozar ou destruir, possuir ou rejeitar algo, ser ou não tomada por necessidade, depende de poder ou não ser ela vista como desejável e necessária aos interesses e instituições sociais comuns.” (A ideologia da sociedade industrial: o homem unidimensional. P. 26)

A partir disto, Marcuse se faz uma questão, que é também a que nos colocamos aqui, ele pergunta o seguinte: “Como podem as pessoas que tenham sido objeto de dominação eficaz e produtiva criar elas próprias as condições de liberdade?” e trazendo para nosso tema, a gente se questiona o seguinte: Como podemos vivenciar um amor que não esteja condicionado, institucionalizado e cristalizado?
Para complementar esta perspectiva de um condicionamento do amor, temos a perspectiva do Roland Barthes, semiólogo e filósofo francês**,** que nos diz que aquele que se apaixona, exatamente por sua condição própria, não percebe que é condicionado, é influenciado, é fruto e consequência de uma construção narrativa, discursiva que o estimula a considerar que a forma como ama, se apaixona, é original, única, incontestável, quando na verdade tudo que ele ama de fato não é o objeto do amor, o ser amado, mas o próprio discurso do amor. (Fragmentos de um discurso amoroso, Barthes, R.)

Pensemos desde nosso cotidiano sobre como percebemos o amor (idealmente)
O próprio exemplo da Anto é bem esclarecedor. Ela fala em um amor romântico, que encontramos nos filmes que consumimos desde que somos criancinhas. NOME, pensa ai numa comédia romântica vai…
O fator cultural joga muito em favor das imagens que construímos, mas isto já é sabido por todos. Agora… quais são as características deste amor de filme?
- O amor como pressuposto para a felicidade.
- O amor como completude do ser, ou seja, amor como falta.
- O amor como objetivo único da vida
- O amor como liberdade
E por ai vai…
O retrato do amor começa a se formar a partir destas acepções do amor e através dele se veiculam todas suas instituições, que vão se enraizando nas profundezas de nosso inconsciente.
O amor é somente o começo (ou o meio) e assim que ele se realiza enquanto ato, entram os fantasmas: o casamento, a família, o cotidiano, o trabalho, a casa, o cachorro, a estabilidade, a conservação… e aparentemente, como vemos nos filmes, o final é sempre feliz, como se todas estas instituições trouxessem a sensação de realização, de haver feito o que é certo e o que é bom.
E isto faz sentido… i mean, as instituições do amor falam em nome do amor e o que está fora das instituições está fora do discurso amoroso. Assim, vamos vendo como o amor está condicionado: a partir de uma construção pela linguagem do discurso amoroso e pelas instituições que criam necessidades afetivas que estão servindo ao benefício delas.
Falo pra vocês na moral: nada me broxa mais do que um final feliz.
A ideia do amor como falta: da onde surge?
Eu conto pra vocês! Tem um responsável… sabem o Platão?

Bom, esse cara adorava criar uns mitos para explicar seus conceitos, para exemplificar e dar metáforas e imagens pras pessoas pensarem sobre o que ele expunha. No livro “O banquete”, Aristófanes, um dos personagens que participava da reunião conta o seguinte mito:
“Os andróginos tentaram escalar o céu para combater os deuses. No entanto, os deuses em um primeiro momento pensam em matá-los de forma sumária. Depois decidem puni-los da forma mais cruel: dividem-nos em dois. Por exemplo, é como se pegássemos um ovo cozido e, com uma linha, dividíssemos ao meio. Desta forma, até hoje as metades separadas buscam reunir-se. Cada um com saudade de sua metade, tenta juntar-se novamente a ela, abraçando-se, enlaçando-se um ao outro, desejando formar um único ser.”

Este mito faz um retrato do nascimento do amor, o qual nasce de uma divisão violenta que se transforma em necessidade de procurar a parte perdida. Hoje em dia, temos frases do tipo “Aquele que me completa” ou “Minha meia laranja” ou “minha cara-metade” (este último faz uma referência direta ao andrógino), pois então, o que tamo fazendo é ecoar o mito Platônico onde o amor é carência, insuficiência, necessidade e, ao mesmo tempo, desejo de conquistar e de conservar o que não se possui.
O amor, no seu conceito clássico, tem como modelo a experiência humana e tem como condição a carência daquilo que se ama. Dito isto, parece que aqui é a primeira peça na linha de montagem do amor como produto que é promovida por estruturas consolidadas: é necessário amar para completar-se.
Comecemos a pensar desde nosso cotidiano sobre como seria possível um amor emancipado
Então… vimos que o amor está sendo alvo de vários condicionamentos dos quais é preciso desmontar e analisar para que possamos entender como seria possível um amor sem condições, um amor liberto, um amor pelo próprio amor e não como meio para fins utilitários.
Para isto, é preciso se emancipar da ideia de que amar é procura por suprir a falta, é tapar vazios, é completar nosso ser. Parece que no fundo amar a um outro para suprir uma falta nossa está se tratando da gente… A ideia do amor como falta é um tobogã direto à ideia do amor como unidade, esta ideia, central e dominante no romantismo da primeira metade do século XIX, se baseia inteiramente na tentativa de demonstrar a unidade de finito e infinito. Aqui o amor toma um caráter divino, transcendental. Mas… voltemos à ideia do amor como falta.
Tu realmente sente que um outro te completa? Que sem essa pessoa tu fica vazio; que tu fica desprovido de sentido, de felicidade, de realização e ****de perspectiva? Por mais que a ruptura do amor nos cause inicialmente isto, eu não sinto que o amor por um outro esteja dando sustento e significado à minha existência.
Bertrand Russel fala sobre a fragilidade do amor romântico, que pretende ser a totalidade da vida, mas que caminha rapidamente em direção à exaustão e ao malogro. Não to dizendo que não precisamos amar a alguém para sermos felizes, sentir intensidade na vida e afins... Mas penso que a ideia de um outro que nos complete está bem vinculada a um ideal de absoluto e isto não me cai muito bem.
Os andróginos procuravam a sua metade pois era a que lhes pertencia e somente está parte que era sua os completaria. Daqui parece agarrar-se o ideal do amor como única possibilidade, a ideia de que o amor tem somente um tiro, aquele famoso “amor da minha vida”… e isto exclui outras formas de amor, mas então… será que existe uma forma certa de amar?
Este texto é um começo de reflexões que se farão cada vez mais profundas e que irão requerer a ajuda de você, leitor/leitora, para pensarmos o amor.

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:
Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!

Galera, pra começar nossa temporada sobre o amor bora ler “O banquete” do Platão e entender como esta concepção é uma pedra angular na edificação do conceito de amor em nossa sociedade ocidental.
Platão foi o primeiro a dar um tratamento filosófico ao amor no seu livro “O banquete”, que apresenta o amor sob diferentes aspectos. O mito sobre os andróginos que relatei no texto não é o mais famoso, mas sim aquele que Sócrates faz de um discurso de Diotima, sacerdotisa de Mantineia, que irá apresentar o amor como desejo — de imortalidade, de beleza, de sabedoria.

Galera, pra começar nossa temporada sobre o amor bora ler “O banquete” do Platão e entender como esta concepção é uma pedra angular na edificação do conceito de amor em nossa sociedade ocidental.
Platão foi o primeiro a dar um tratamento filosófico ao amor no seu livro “O banquete”, que apresenta o amor sob diferentes aspectos. O mito sobre os andróginos que relatei no texto não é o mais famoso, mas sim aquele que Sócrates faz de um discurso de Diotima, sacerdotisa de Mantineia, que irá apresentar o amor como desejo — de imortalidade, de beleza, de sabedoria.

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.
Podcast 🎙️
Esse Podcast é muuuito legal. A Tati Bernardes é de uma sinceridade e exposição da vida pessoa que eu nunca vi, causa um estranhamento, talvez julguemos no começo mas depois isso se transforma em algo livre e belo. Ela traz uma visão psicanalítica de temas cotidianos. Se botem nesse episódio, é mó gostoso.

Vídeo ▶️
De novo trago a recomendação do Dario Z, filósofo argentino, que para mim é um filósofo da desconstrução, e aqui ele desconstrói o amor de uma forma belíssima, com uma performance que envolve dança e reflexão. Me inspiro demaaais nesse cara, olhem!
Mentira la verdad V. Filosofía con el cuerpo: El amor - Canal Encuentro

Filme 🎥
Esse filme é maravilhoso pela sua capacidade de desconstrução do ideal de amor clássico.
E se um homem se apaixonasse por um sistema operacional que somente possui uma voz que conversa com ele? A ideia, por si só, já parece absurda, mas quem disse que é impossível?
Não será a assunção de que devemos nos apaixonar por alguém de carne e osso uma normatividade?



