Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.
Edição dessa semana:
#12 - Sofre tu também!
Investimento:

Uma confissão
Ródion Raskólnikov.
Personagem do livro Crime e Castigo de Fiódor Dostoiévski

Raskolnikov comete um crime hediondo e sofre de uma culpa que o corroí. Seu empreendimento de levar às últimas consequências a sua teoria de que existem no mundo dois tipos de homens — os ordinários por um lado e os extraordinários do outro, onde os primeiros seriam os que sentem culpa e são como ovelhas de uma manada e aqueles chamados de extraordinários sendo aqueles que como Napoleão, podem levar quinhentos mil homens à morte e sequer se importar com isto — o fez matar duas velhas senhoras para compreender a qual grupo ele pertencia.
Após cometer o crime ele não aguenta o fardo de carregar duas mortes e se joga em uma angústia profunda que o leva a afundar em doença e loucura, comprovando-se em sua teoria como um ser ordinário que não estaria à altura de personagens como Napoleão.

“Sofre tu também, porque, assim tudo se tornará mais leve para mim. “ p. 449.
Toda obra possui espessuras invisíveis. Se o escritor se detivesse a dissertar sobre cada frase ou parágrafo que escreve ele estaria fadado a jamais acabar sua obra. Portanto, isso é um trabalho do leitor que está atento às misteriosas passagens escondidas que frases despretensiosas e aparentemente vazias de conteúdo revelam.
Sofya Marmeladova, prostituta que se apaixona por Raskólnikov, é a pessoa que Raskólnikov acode para libertar-se de sua culpa e do sofrimento que o fustigava. Há algo nos relatos de Dostoiévski onde sempre é às prostitutas a quem os homens revelam-se. Então, Ródion decide contar-lhe que cometeu um crime e que é responsável pela morte das duas velhas senhoras inocentes, tornando Sofya cúmplice de seu crime, portanto, também culpada.
Sua confissão é seguida de uma passagem que para mim é a passagem mais marcante do livro inteiro, Ródion, coberto de magoa e raiva de si mesmo lhe diz assim: “Sofre tu também, porque, assim tudo se tornará mais leve para mim”.
Não é esta frase uma espécie de máxima délfica? Não deveria estar esta frase em umbrais e em capas de livros de autoajuda? Pra mim essa frase diz tantas coisas da condição humana enquanto ser que vive rodeado de Outros que não vejo como contornar sua profundidade.

O gesto ineficaz
Winston Smith.
Personagem do livro 1984 de George Orwell
Winston Smith é assolado por um sonho no meio da noite (que interessante é a revelação nos sonhos) que o faz rememorar um gesto, um simples gesto que se repete ao longo de sua vida em dois episódios marcantes. Ele vive na sociedade distópica do livro 1984, que é regida pela figura do “Big Brother”: um poder autoritário que dominou todas as formas de vida a tal ponto que as pessoas já não possuem liberdade e estão subordinadas à vontade do estado.
“Jamais teria ocorrido a sua mãe que, por ser ineficaz, um ato pudesse perder o sentido. Quando você ama alguém, ama essa pessoa e mesmo não tendo mais nada a oferecer, continua oferecendo-lhe o seu amor.” P. 228.
Winston associa duas memórias a um gesto em comum que para ele parece ser uma síntese do amor: o amor como proteção do outro. Na primeira vez que Winston viu este gesto ele estava em uma sessão de cinema, uma sessão que era organizada pelo partido, a qual estimulava o ódio a grupos que estavam à margem do partido do Big Brother, na segunda vez, ele o viu em sua mãe.
1ª memória: No cinema, Winston assistia um filme, quando uma cena absurda de um helicóptero que atirava em refugiados que estavam em um návio em algum lugar do Mediterrâneo começou a se desenrolar. De repente, aparece uma mãe com seu filho, que era uma criança, e se mostra a cena dela tentando defender ao filho das balas do helicóptero cobrindo ele com seus braços (o gesto ineficaz 1).

2ª memória: Winston era pequeno e não entendia por que em sua casa nunca tinha comida. Isso o enraivecia e o tornava violento, sendo egoísta a ponto de não se importar se sua mãe ou sua irmãzinha comiam. Certa feita, sua mãe havia conseguido uma barra de chocolate, que havia repartido entre Winston e sua irmãzinha, ele em um ato descomedido roubou o chocolate de sua irmã e saiu correndo para comê-la. A sua irmã ficou desolada, chorava aos prantos, sua mãe ao ver que Winston já havia comido a barra não teve outro remédio a não ser abraçar sua filha para consolá-la (gesto ineficaz 2)
Amar: esse sofrimento em conjunto
O amor que eu tenho por ti me faz querer suportar as dores a teu lado. Te ver sofrer me é dificil demais, então eu tomo uma parte dessa dor para mim, eu a faço um pouco minha, assim, sofremos juntos e dessa forma tua dor não é tão pesada, a isso chama-se compaixão
Schopenhauer chama de compaixão a união pelo sofrimento ou a unidade de sofrimento. É horrível ver ao outro sofrer e queremos tomar aquela dor para a gente, queremos fazê-la nossa, e por quê isto? Pois assim o objeto amado não se distancia.
Roland Barthes fala que “a infelicidade do outro tem lugar sem mim, e que ao estar infeliz por si mesmo, o outro me abandona: se ele sofre sem que eu seja a causa disso, é que não conto para ele: seu sofrimento me anula na medida que ele se constitui fora de mim”. (F. Discurso amoroso. p. 48)
Isto porque a dor do outro nunca é exatamente nossa dor, o espelho se contorce, há um borrão, eu sou impermeável, “minha identificação é imperfeita, sou uma mãe (o outro me preocupa), mas uma mãe insuficiente”. Assim, a compaixão parece querer tornar a ambas pessoas que se relacionam nesta dinâmica de um que sofre e outro que consola em um só, uma dor em conjunto, um sofrimento a dois: mas isto é impossível, pois eu não consigo atravessar ao outro, ele me é inalcançável.
Barthes traz uma alternativa que me agrada mas que destrói a imagem de um Romeu e de uma Julieta que se suicidam um pelo outro, ou seja, a imagem mais limítrofe da compaixão, do sofrer pelo outro e padecê-lo como se ele fosse eu e eu fosse ele. Barthes clama que surja a palavra reprimida que vem aos lábios de todo sujeito que sobrevive à morte de um ente amado, o que podemos entender também como à morte de uma relação, ele diz a seguinte palavra: vivamos!
Assim, a gente sofre com o outro, mas “sem se apoiar, sem me perder”. Há algo de muito triste em perder-se na dor do outro, em padecer demais a existência da pessoa e viver suas dores, viver suas angústias.
Cabe aqui uma reflexão nietzscheana que ressalta a importância de não nos consumirmos no outro mas que quanto mais pleno de si estivermos, mais capazes de amar seremos. Tentar que o amor seja uma liberdade para tornar-se quem se é, ou seja, que o amor seja uma plataforma para ambos se encontrarem a si mesmos e não perderem-se um no outro.
*Dedico esta edição ao meu grande amigo Victor. Ele sabe por quê!

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:
Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!
Quero fazer duas recomendações de leitura que estão totalmente relacionadas com a edição desta semana. Ambas leituras me causaram uma profunda reflexão sobre inúmeras coisas, acho que estes livros são atemporais e serão, enquanto houver ser humano na terra, leituras com interpretações possíveis e factíveis.

A primeira delas é o clássico do Dostoiévski “Crime e Castigo” da qual todo mundo já ta careca de saber que é uma história muito fodaa com uma narrativa envolvente, personagens desenvolvidos até o limite possível, enfim, uma literatura da mais poderosa. Leiam!!

A segunda recomendação é outro clássico da literatura universal, o 1984 do George Orwell.

A primeira delas é o clássico do Dostoiévski “Crime e Castigo” da qual todo mundo já ta careca de saber que é uma história muito fodaa com uma narrativa envolvente, personagens desenvolvidos até o limite possível, enfim, uma literatura da mais poderosa. Leiam!!

A segunda recomendação é outro clássico da literatura universal, o 1984 do George Orwell.

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.
Filme 🎥
Esse filme é uma comédia romântica argentina que para mim é a melhoooor comédia romântica que já existiu na face do planeta terra! Por favor assistam! Que o outro não seja um túmulo mas uma plataforma para nós mesmos, que nós não salvemos a ninguém e que tampouco ninguém nos salve, mas que nos encontremos, nos procuremos, e que sejamos fieis a nós mesmos! Porra, vai assistir!




Você já fez do sofrimento de um outro algo seu? E como tu encara isso? Tu acha que a dor do outro também é nossa dor?