Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.
Edição dessa semana:
#13 - Amor é sorte
Investimento:

Rita Lee como pontapé inicial para uma salada de frutas
São essas coisas - essas simetrias inexplicáveis da vida - as infames “coincidências da vida” (como acreditar em coincidências e querer fazer literatura? É inconciliável!). O fato é que alguns dias atrás pedi à Manu que me enviasse uma música que ela gostasse: ela me mandou “amor e sexo” da Rita Lee e eu a ouvi com curiosidade e fervor; me arrepiou dos pés à cabeça por que notei como haviam frases naquela música que transcreviam o que eu vejo e percebo do amor e do sexo mas que nunca antes havia me atrevido a jogar ao papel.

Após alguns dias disto, a noticia da morte da Rita invade todos os meios de comunicação. It was such a shame… queria tê-la conhecido mais enquanto ela estava inda viva, ter apreciado mais suas músicas, lido seus escritos e tudo isso que gostaríamos de fazer enquanto temos ainda vivos aos gênios; o legado seguirá vivo e isso é o lindo e o triste. O que é que continua vivo do artista se não a arte que ele nos deixa? Será que somente poderemos apreciar verdadeiramente aos artistas após a morte deles? (não te noia nessas questões, isso é reflexão pra outras conversas).
Mas continuando a falar sobre alinhamento de astros e simetrias inexplicáveis: acontece que ao tomar conhecimento da morte de Rita tornei a ouvir sua música “Amor e sexo” (agora com a atenção digna de um filólogo) e isto fez com que eu me deslizasse pelos meus neurônios associativos e alcançasse uma poesia de um antigo professor e também o trecho de um livro do Barthes. Como vocês já me conhecem eu adoro fazer saladas de frutas e esses dois elementos (tanto a poesia como o trecho do livro), junto à música de Rita, me permitiram elaborar a nada original perspectiva da especialidade do desejo amoroso, que nos diz que o amor é uno.
Rita canta “Sexo é escolha, amor é sorte” e o Pedrão recita “Digamos que você tenha sorte”
Em um dos primeiros versos da música “Amor e sexo” da Rita Lee ela diz a frase “Sexo é escolha, amor é sorte” e o que será que ela queria dizer com isso? Será a partir dessa pergunta que nos guiaremos no texto de hoje…
“Digamos que você tenha sorte” é o título e o primeiro verso da poesia do Pedro Gonzaga, meu antigo professor de literatura do curso pré-vestibular no qual estudei. Pedrão, poeta versátil, desses que te fazem sentir um nó na garganta em um verso e soltar uma gargalhada no próximo, continua a poesia assim:
e encontre alguém capaz de te amar
ainda que as razões para esse amor
pareçam mais erradas do que certas

Dessa forma, em apenas quatro versos o Pedrão já indica que há, além da dificuldade de encontrar uma pessoa que te ame, as contrariedades em relações às razões deste amor, que podem parecer serem muito mais erradas do que certas.
Estes versos me fizeram pensar de novo na Rita e naquele entrevista com seu marido Roberto, na qual um faz perguntas para o outro sobre o casamento deles. Rita pergunta assim ao Roberto: “Como você me aguenta há 44 anos? Confissão: Sou uma mulher esquisita, ex-presidiária, ex-AA (Alcoólicos Anônimos), ex-NA (Narcóticos Anônimos), não sei cozinhar, sou cinco anos mais velha, sem peito, sem bunda e fumante”
Roberto lhe responde: “Sou teleguiado pela paixonite há 44 anos, espero que tenhamos pelo menos mais 44 anos pela frente. Só consigo visualizar a antítese do que está nesta confissão. Quando você se declara esquisita, vejo original e genial. Ex-presidiária por injustiça, vítima da repressão. Não precisa cozinhar, eu cozinho pra você. Os peitos amamentaram nossos 3 filhos” e continua “Cinco anos mais velha, não, mais antiga, e você sabe o quanto eu adoro antiguidades. Tenho Vênus em Capricórnio, que sempre vai me ajudar a relevar essa sua Lua em Virgem que vejo se manifestando aí na confissão. E quanto aos AA e NA, well, ‘shit happens to everyone!’
“Amor é um”
Encontrar uma pessoa a quem nós amemos e que nos ame já é dificil e as coisas se tornam mais inexplicáveis ainda quando as razões para esse amor são totalmente contrárias à lógica utilitária. Portanto, podemos concordar que o amor não é uma escolha racional?
O enigmático do amor é que nós não amamos a qualquer um que desejamos e nem somos amados por qualquer um que nos deseje. O amor tem essa particularidade absurda e inexplicável, e é dela que nascem questões insolúveis:
Por que amo a este e não àquele? Por que tu me amas e não a outro?
As vezes temos um tesão imenso numa pessoa, amamos estar com ela, nos fazemos felizes um ao outro, desenvolvemos um carinho e um laço forte e saudável, as razões para amar essa pessoa não poderiam ser mais certas but… parece que falta algo, algo que não encontro na outra pessoa e que talvez ela não encontre em mim, you know?
A especialidade do Desejo
Roland Barthes, esse doido que escreveu um livro genial sobre o amor, fala sobre a especialidade do desejo amoroso, diz assim “Encontro pela vida milhões de corpos; desses milhões posso desejar centenas; mas dessas centenas, amo apenas um. O outro pelo qual estou apaixonado me designa a especialidade do meu desejo. Esta escolha, tão rigorosa que só retém o Único, estabelece, por assim dizer, a diferença entre a transferência analítica e a transferência amorosa; uma é universal, a outra é específica. Foram precisos muitos acasos, muitas coincidências surpreendentes (e talvez muitas procuras), para que eu encontre a Imagem que, entre mil, convém ao meu desejo. Eis um grande enigma do qual nunca terei a solução: por que desejo Esse?” (F.A, Barthes. R.)

Dizer que o amor é Um não é dizer que amamos a uma única pessoa
Dizer que o amor é Um não é dizer que ele acontece com somente uma pessoa ou que teremos somente um amor em nossa vida. Não é, assim o disse Aristófanes, como se nossa natureza primeira tivesse sido a dos andróginos (seres compostos por dois seres em um mesmo corpo) que foram cindidos por Zeus por terem cometido uma injúria aos Deuses e a partir disso eles procuram eternamente pela sua parte metade que foi dividida deles. O amor, visto assim, é desejo de totalidade, e isto nos indica que não estamos completos e precisamos encontrar nossa parte que falta, e essa parte está em um outro.
Não é isso o que Rita quer dizer em sua música ou que Barthes ressalta em seu texto e nem o que o Pedrão propõe em seus versos: o que estamos todos falando é que encontrar amor é uma parada muito difícil e que entender as razões de por que amamos é ainda mais complexa. Só que não é como se a gente tivesse procurando uma parte que vai se encaixar perfeitamente na gente, não existe encaixe perfeito, somos cheios de defeitos, somos uns mutantes se deslizando pelas orbitas inauditas do vácuo infinito e não há por ai andando o “amor da nossa vida”.
Aliás, isso é uma perspectiva bem mística e fatalista do amor, essa ideia de que anda por ai o amor de nossas vidas e que algo nos unirá como se tivéssemos um fio invisível que nos liga desde nosso nascimento. O amor vai se construindo, se experimentando, se modulando, mas não podemos negar que ele é uma incógnita e que não chegamos nunca a compreender bem o por que de amarmos.
O amor é um mas não temos somente um tiro, não há um amor da minha vida, vamos se livrar disso velho… não é um lugar onde chegar nem um ponto a alcançar e o que acho que pode ser mais libertador ainda de ouvir é que não há um melhoramento no amor, não é como se vivêssemos um amor em que um amor é um nível para alcançar o outro, não estamos superando fases para chegar ao amor final, perfeito e tal. Gosto particularmente de uma frase de alguém que já me esqueci, diz assim: “o amor é para os distraídos”.

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:
Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!
Rapaziadinha aqui deixo o livro de poesias do Pedro, um escritor fantástico e uma pessoa mais incrível ainda. Acompanhem também o perfil dele aqui ó @pdgonzaga pois ele dá cursos de escrita e literatura, o hômi é bom!


Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.
Música 🎵
Aqui vós deixo esse som incrível da Rita Lee que inspirou o texto de hoje &...

... um dos sons mais fodas da música latino-americana, do Fito.

Filme 🎥
Galerinha vou vir aqui recomendar a série muitooo foda do Fito Paez que recentemente lançou na Netflix. Trata sobre o Rock nacional argentino e a trajetória da vida tão foda do Fito, um dos ícones da música argentina. A série é atravessada por relatos de amor, tanto é que o nome dado é “El amor despues del amor” que traduzida pro portuga ficou o nome horrível “Amor e Música. Fito Paez”, enfim, dublagens e sua necessidade de explicitar tudo.Go check it out!


Digamos que você tenha sorte (Pedro Gonzaga)
digamos que você tenha sorte
e encontre alguém capaz de te amar
ainda que as razões para esse amor
pareçam mais erradas do que certas
digamos que você tenha essa sorte
e que a ela se conjugue um tempo de paz
em que um queira o que o outro quer
na hora zero e dez mil horas depois
digamos, para beneficio da poesia
que essa sorte também possa pavimentar
uma estrada sem desvios nem rotatórias
que lhes permita andarem juntos
como andaram as criaturas recém saídas da arca
e que um delírio (dolorosamente necessário)
essa mesma sorte alastre sempre
em seus corpos imperfeitos
ao mero roçar das peleso fogo intacto dos deuses
digamos enfim, que essa sorte descomunal
nos sorria uma vez na vida (sou um otimista)
persistirá, contudo, o problema
de reconhecê-la, aceitá-la, banhá-la, vesti-la
dar a ela o pão com manteiga matinal
por essas e outras
quando alguém me diz-ah, o amor é simples
mal contenho a vontade
de cuspir-lhe na cara

