20/2/2023

#2 - E se o Sócrates tivesse uma conta no Instagram?

Sócrates fez sua filosofia nas ruas, conversando com todo aquele que lhe permitisse construir um diálogo: estrangeiros, escravos, cidadãos pobres ou ricos; não importava, ele não diferenciava as qualidades materiais ou físicas das pessoas, o que importava para ele era a alma.
Ler edição
Header image

Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.

Edição dessa semana:

#2 - E se o Sócrates tivesse uma conta no Instagram?

Investimento: 

7min

“O mais sábio dentre vocês, seres humanos, é aquele que, como Sócrates, reconhece que sua sabedoria não é nada."

(A apologia de Sócrates, escrita por Platão)

Alguns filósofos ensinam filosofia, Sócrates a viveu

Todos pelo menos alguma vez na vida já ouvimos falar de Sócrates (não o que foi jogador de futebol), aquele que muitas vezes foi chamado de “o pai da filosofia”. Esse título, que parece indicar a figura de um sábio, é bem distante da figura mítica e cotidiana que Sócrates herdou até os dias de hoje.

Pouco sabemos do verdadeiro Sócrates, o histórico, já que sua obra não contém sequer um escrito; toda a informação sobre ele veio de fontes externas (Platão, Xenofonte, Aristóteles) e mesmo divergindo em alguns aspectos, todas estas fontes dão luz à distância que Sócrates tomava do estereótipo do filósofo que se enfia nas bibliotecas a ler e escrever.

Sócrates fez sua filosofia nas ruas, conversando com todo aquele que lhe permitisse construir um diálogo: estrangeiros, escravos, cidadãos pobres ou ricos; não importava, ele não diferenciava as qualidades materiais ou físicas das pessoas, o que importava para ele era a alma.

Se tu fosse um cidadão na cidade de Atenas no século V a.C. e estivesse pela ágora ou algum outro espaço de convivência, provavelmente verias se aproximar a ti esse baixinho tagarela e feio que, mesmo sem te conhecer, iria te convocar (em sua primeira etapa de seu método, a etapa do protréptico, ou seja, exortação) a filosofar com ele. A pergunta que ele te faria inicialmente pareceria simples: “O que é…?” e com esta pergunta procuraria a definição de algum conceito com a intenção de encontrar a essência dele, ou seja, a encontrar a unidade da ideia: a.k.a a verdade!

Aquele que não se enquadra nos padrões será visto como um átopos

Além de outros costumes excêntricos como o de ficar estático no meio da rua refletindo sobre algum pensamento que o fustigava, o ato de parar estranhos nas ruas e conduzi-los a filosofar lhe rendeu o título de átopos (palavra grega que significa estranho, deslocado, weirdo).

Mas afinal, qual era seu propósito ao parar pessoas na rua e questioná-las?

Sua motivação era que aqueles a quem sometia as suas perguntas tomassem consciência de sua ignorância, que percebessem que o conhecimento que tinham sobre determinado tema era construído sobre preconceitos e opiniões fugidias.

Naturalmente esperamos que aquele que demonstra a ignorância dos outros possua alguma verdade, só que no caso de Sócrates, não; ele admitia nada saber: dai vem o famoso “só sei que nada sei” - ele nada ensinava; somente procurava que aqueles a quem sometia seu método investigativo se questionassem e procurassem a verdade.

Provavelmente vocês já ouviram falar sobre a “maiêutica” do Sócrates. Se não, eu simplifico: de tanto que o Sócrates dava banda por ai dialogando com as pessoas ele criou um método investigativo todo baseado na conversa entre um que interroga e outro que responde. Esse método só tinha uma função: passar da multiplicidade de opiniões à unidade da ideia; sendo mais claro: encontrar a verdade. E, para isso, Sócrates serviria como o parteiro (dai vem a palavra “maiêutica”) da verdade de seus interlocutores. O convite de Sócrates à filosofia era um convite ao autoconhecimento.

O Sócrates era um chato?

Pras pessoas de sua época sim! E um chato que foi condenado à morte!  
Mesmo com uma missão que parecia ser tão altruísta, Sócrates foi acusado de subverter a ordem vigente da época, de corromper a juventude e de ser injusto com os Deuses da cidade. O núcleo do problema é que ele questionava a autoridade daqueles que governavam, questionava os valores que a sociedade havia estabelecido. Então, aqueles que governavam tremeram na base pensando que Sócrates era uma ameaça para a ordem do estado, sendo um possível catalisador de revoltas ocasionadas pelo questionamento profundo que ele provocava em todo aquele que se aproximasse a ele.

Os juízes se disporiam a revogar a pena de morte com a condição de que Sócrates parasse de filosofar.

A Morte de Sócrates (fr: La Mort de Socrate) é uma pintura de 1787 do pintor francês Jacques-Louis David.

Sua resposta foi: “Eu nunca deixarei de filosofar.”

Sócrates foi cancelado em sua época por ser subversivo… e se ele tivesse Instagram nos dias de hoje?

O cancelamento de Sócrates ressalta a rejeição da sociedade à inversão dos valores estabelecidos; questionar demais parece que sempre foi um problema. Mas e se o Sócrates viajasse no tempo e caísse na esfera das redes sociais em pleno 2023?

Vocês acham que ele seria exaltado por essa característica de questionador voraz ou que ele seria novamente cancelado?

É difícil pensar que em nosso tempo as pessoas estariam dispostas a colocar todas as suas crenças à prova. A forma como Sócrates viveu e propunha aos outros viverem era hardcore: se questionar constantemente, colocar todas os conhecimentos sob análise contínua e nunca dar como certo nenhum saber – isso sim é algo desconfortável.

No Instagram, diariamente vemos infinidades de posts que expõem conhecimentos, que propagam informações e que procuram comunicar aquilo que é pensado. Mas nesse caminho existe muita bosta que é dita, existem muitos propagadores de fórmulas e receitas de como as coisas precisam ser realizadas sem nenhuma comprovação ou rigor investigativo naquilo que se diz

Eu acho que o Sócrates ia continuar sendo um pé no saco pelo resto da eternidade; independente da época, ele ia incomodar muita gente; nenhuma época quer um Sócrates, mas com certeza ele é o mais necessário.

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:

Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.

Podcast 🎙️

Falar em Grécia antiga é falar em mitologia e a história de Sócrates está permeada por eventos divinos, tais como a revelação do oráculo de Delfos à Sócrates. Vou enviar o podcast completo pois qualquer episódio vale a pena ser ouvido!

Noites Gregas

Vídeo 🎥

Nessa semana não vamos recomendar música, mas um vídeo. Esse é um vídeo icônico que assisti quando estava começando na filosofia. Eu quero fazer uma versão minha de um jogo dos filósofos só que no basquete…

Partida de Futebol dos Filósofos (The Philosophers' Football Match) - Monty Python

Filme ou série 🎥

A recomendação de série dessa semana vai ser da nova série chamada de “cara x cara” / tradução pra “living with yourself”. A história é ótima: um homem infeliz procura uma fórmula mágica pra ficar feliz, então lhe recomendam um spa que em uma sessão tu fica completamente feliz. Só que clonam essa pessoa que quis realizar o spa e o clone dele é o que está feliz e ele continua sendo sério e infeliz. Enfim, a série é muito boa e traz várias reflexões legais. Confiram!

Cara x Cara (Living with Yourself) - Netflix

Uma frase pra que tu anote no teu caderninho de escritos, do Luiz Antonio Simas!

O paradoxo carnavalesco. Quando a primeira escola de samba pisa na avenida, a festa começa a acabar. Quando a última passa, a festa seguinte acaba de começar. O que mantém a gente vivo, na encruzilhada fugaz da disputa entre o corpo e a morte, é a chance de renascer das cinzas.

Luiz Antonio Simas (@luizantoniosimas)

Recent issues

Design
8 min read
O que me agrada é pensar que existe para cada pessoa que está no mundo uma filosofia; que a partir de sua individualidade possa refletir e escolher, assim tentando aproximar-se à sua própria verdade.
Read
Design
8 min read
O jogador desce as escadas que dão ao estádio. Lhe invade uma ânsia de vomito e sente o seu estômago soltar-se, como que desprender-se do seu corpo. Tal qual uma nota musical que aparece em meio ao silêncio o jogador se faz notar na quadra: ele é este ator que apresenta-se ao cenário, os holofotes o iluminam, os aplausos o elevam, ele está agora à vista, está exposto.
Read
Design
8 min read
Haverá alguma forma de filosofar sobre o basquete? Há alguma forma de respondermos às problemáticas humanas a partir de uma reflexão do jogo de basquete? Quando jogam, as pessoas dizem esquecer-se de todos os problemas, de por alguns momentos terem a impressão de que estão em alguma outra dimensão, em outro plano… mas… não será o próprio basquete uma forma de lidar com a vida ao invés de escapar-se dela? Não será o basquete já nossa vida e nele não estaremos também procurando resolver e compreender os problemas que nos esperam do outro lado das linhas que delimitam o templo que é a quadra de basquete? Assim como o jogo de basquete que se joga em seus quatro quartos, eu pretendo pensar o basquete em 4 textos e mais um, o Overtime.
Read

Assine a newsletter

Assine para receber as novas edições, toda semana.