20/3/2023

#6 - (Des)problematizemos a morte Ou Celebração à morte

Bora (des)problematizar a ideia que temos da morte? Por que a tememos? Por que fugimos dela e sequer a mencionamos? A morte é algo ruim? Se a morte é vista como um problema, então que temos de resolver este problema, e isto é o que fazemos quando declaramos que há algo para além da morte, que a morte não é um fim.
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Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.

Edição dessa semana:

#6 - (Des)problematizemos a morte Ou Celebração à morte

Investimento: 

O tempo que tu precisar

“Como diz César, e como verifiquei em mais de uma circunstância, as coisas produzem maiores efeitos de longe que de perto.”

Montaigne, Ensaio “De como filosofar é aprender a morrer”

Bora (des)problematizar a morte?

Gente, eu sei que é estranho falar sobre a morte mas… deveria?

Se é verdade a proposição de que filosofar é lembrar-nos de que morreremos, pois todas as questões de nossa existência estão encarando de frente o fato de que tudo isto acabará e que tudo o que vivemos se perderá no tempo como lágrimas na chuva, então por que não filosofar sobre a morte como forma de preparar-nos para ela?

Há uma expressão em latim que me agrada, ela diz: Memento Mori (isto significa lembra-te de que morrerás). Esta edição é o nosso Memento Mori da semana e espero que seja proveitoso para todxs; então pega na minha mão, vamos pensar sobre isto juntos, sei que é difícil, talvez doloroso, mas estamos juntos, bora mergulhar.

Vou lançar dois tópicos que vão nos guiar no texto de hoje:

  1. Falemos algo que todos sabem: Vamos morrer.
  2. Falemos algo que nem todos assumem: Tememos a morte.

Bora pensar sobre?

A consciência da morte

Lembro até hoje quando tomei consciência por primeira vez de que as pessoas morrem. Eu era uma criança que ainda não se sabia parte integrante do mundo, assistia tranquilo a um programa de televisão em minha casa quando de repente (essas surpresas da vida) aparece na tv a cena de um museu; a câmera se deslizava por entre as peças antigas, por artefatos chamativos, e do nada aparece um objeto inquietante: uma cabeça cortada boiando dentro de um recipiente com formol.

Nesse instante percebi que aquela pessoa não estava viva e que assim como ela, a minha mãe também poderia um dia vir a morrer, na realidade, que todos que eu amava poderiam morrer. Saí correndo chorando aos prantos pela casa e me pendurei nos braços de minha mãe enquanto eu gritava sem parar: “No quiero que te mueras mamá! No quiero que te mueras!” (Não quero que tu morra mãe!)

Desde esse dia nascia uma angústia que jamais poderei curar: eu irei morrer, meus pais morrerão, meu irmão morrerá, meus avós, meus amigos, meus primos, os animais, todos, todos algum dia se deitarão sobre o leito da morte e deixarão este mundo atrás. Nada pode ser feito, ninguém impedirá que isto aconteça; todas estas vidas estão regidas por este evento fatal; todos os caminhos que tomamos, todas as palavras que dizemos, todos os amores que nos desgarram, todas as músicas que ouvimos, tudo isto um dia irá se esfumar e basta um segundo, talvez menos que isto; a morte é esse Maestro no alto do púlpito regendo a orquestra de nossa vida e quando suas mãos deixarem de mexer-se, o silêncio.

Então… como não falar sobre este evento tão importante? A morte com certeza é o evento mais polêmico de nossas vidas e desde o momento em que tomamos consciência dela a dinâmica da vida muda; todos nossos caminhos agora estão condicionados por esta questão que estará por toda nossa vida com nós: “Eu irei morrer mas não sei quando nem onde.”

Temor à morte

Percebam que a consciência da morte engloba também um medo a ela, um receio, um estranhamento iminente. É sabido que o temor provém de um desconhecimento e que o medo é paralisador, nos imobiliza e nos resguarda naquilo que é seguro. Te pergunto eu: haverá um medo maior que o medo de morrer? E se este medo é considerado o maior medo que podemos sentir, então nossa reação a ele será também a mais descomedida.

Somos capazes de fazer coisas inimagináveis para escapar a este medo. Assim, transformamos a morte em um monstro que deve ficar escondido sob o manto grosso da angústia, escapamos dela, inventamos refúgios para além da vida, evitamos falar sobre ela a todo custo e lhe atribuímos uma misticidade. Que fique claro: não estou falando sobre o que há para além da morte, mas sim o que fazemos com a morte durante o transcurso de nossa existência.

Em toda essa minha fala há um pressuposto não analisado: a morte é um problema que precisa ser resolvido, ninguém consegue viver sob o mando do temor. Mas será a morte mesmo um problema? Algo que devemos solucionar com promessas de eternidade ou escondê-la por debaixo dos lençóis? Por que tanto a tememos? Por que evitamos falar nela e a transformamos no pior dos males que a vida tem?

Como o filosofar pode ser uma preparação para a morte

Há uma frase, entre as muitas maravilhosas que Montaigne escreveu em seu ensaio “De que filosofar é preparar-se para a morte” que me provoca um estranhamento e uma compreensão distante. Ela diz “quem aprendeu a morrer desaprendeu a servir” e daqui podemos tirar inúmeras interpretações e questões a serem levantadas. Destrinchemos: como assim aprender a morrer?

Pensem em quantas vezes deixamos de realizar algo por medo ao que iriam dizer outras pessoas ou quantas vezes não deixamos de vivenciar algo que queríamos por comedimento, por medo a se arriscar ou pelo medo a morrer. Quando falamos em aprender a morrer falamos em ter a morte como objeto de análise constante, de pensá-la e acostumar-nos a sua presença; e ao falar que aprender a morrer é desaprender a servir, falamos que pensar sobre a morte, refletir sobre ela, tê-la presente, nos liberta das trivialidades da vida cotidiana.

Pensa no dia que tu esteva apaixonado por uma pessoa, provavelmente tu estava com receio de dizer a ela e por algum motivo que tu colocou em tua cabeça (medo que te imobilizou) tu decidiu não comunicar esse sentimento. Ao chegar em casa nesse dia um demônio está te esperando, ele te diz: e se hoje fosse teu último dia de vida?

Tu não irias correndo à casa desta pessoa lhe dizer isto que não conseguiste dizer por superficialidades? Não abraçarias a todos que algum dia tu brigou e que por orgulho ou por ressentimento não reataste o vínculo?

Não dirias à tua mãe e a teu pai que os amas? Não irias beber vinho mais uma vez? Tocar piano durante toda a noite, sentir com toda a intensidade a água que cai do chuveiro e procurar sonhar pela última vez quando deitar a cabeça no travesseiro?

Filosofar é celebrar a morte, pois pensar na morte, refletir sobre ela, aproximar-nos a ela é recordar também que estamos vivos mas que este tempo acabará; filosofando estamos nos preparando para quando o momento chegar, para que quando a morte bater na porta que não fujamos pela janela, mas que abramos a porta a ela, lhe demos o seu devido lugar, pois é dela e somente dela. Por mais que pareça que a morte sempre vem cedo demais, nos será muito mais leve a morte se nós tivermos sido verdadeiros a nossa forma de vida e tivermos refletido sobre ela.

Memento mori - Lembra-te de que morrerás!

Nós nunca poderemos esgotar todas as possibilidades que a vida nos apresenta, é impossível; mas há uma satisfação naquele que deu tudo de si, naquele que tentou viver tudo o que pode, e que não abandonou-se, que não se traiu, que viveu sua verdade e que rasgou-se por inteiro para alcançar aquilo que lhe acelerava o coração e lhe fazia brotar lágrimas dos olhos.

Aquele que reflete sobre a vida, sobre todas as suas múltiplas formas, está também refletindo sobre a morte, pois cada evento de nossas vidas está sendo acompanhado pela possibilidade da morte. A morte já nos habita, ela constitui nosso ser.

Perceber que cada momento pode ser o último nos coloca em evidência a nós mesmos. Somos os únicos autores de nossa vida ao encarar a morte, pois somente eu morrerei e comigo levo tudo o que vivi. Então, ao ver a morte caminhando atrás de mim eu irei tentar esgotar todas as experiências que a vida possa me oferecer, irei me deslizar por cada minuto como se fosse o último e quando chegar o fatídico momento, então nesse momento, quando eu estiver entre o fio que separa minha vida da desconhecida morte, somente se eu houver vivido a vida como eu quis, então poderei dizer que estou saciado e abandonar a vida como aquele que sai do banquete e não pensa que poderia haver comido um pouquinho mais.

Vivendo desta forma celebramos a morte, ao tomar uma atitude verdadeira que acreditamos e defendemos, sem nos importar com os outros, sem nos importar com as consequências, celebrar a morte é celebrar a vida, aprender a morrer é aprender a viver.

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:

Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!

De como filosofar é aprender a morrer

Para aqueles que ficaram interessados no ensaio que mencionei do Montaigne aqui há o link para que vocês leiam ele na íntegra.

De como filosofar é aprender a morrer

Para aqueles que ficaram interessados no ensaio que mencionei do Montaigne aqui há o link para que vocês leiam ele na íntegra.

Ensaios

E caso ficarem interessados no senhor Montaigne, eu recomendo este livro em particular, que contém grande parte de seus ensaios que são muuito legais:

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.

Filme ou série 🎥

Esse filme doido me deixou pensativo sobre o tema da morte. Principalmente sobre o medo da morte e a que instâncias ele pode nos levar. A história resumidamente trata sobre uma família estado-unidense dos anos 80, durante o período da guerra fria, que é um caos. O casal tem um amor desmedido que os faz constantemente trazer a morte à tona: a preocupação é sobre quem morrerá primeiro. Do nada acontece um acidente de trem que espalha uma nuvem tóxica que pode ser mortal e eles precisam sair de casa, a partir dai o filme toma um novo rumo… se aventurem!

Ruído Branco, na Netflix

Podcast 🎙️

Gente novamente recomendando aqui o Podcast do Filosofia Vermelha. Dessa vez, fala-se sobre morte a partir do encarnado do Heidegger que adorava falar sobre isso. Vale muito a pena!

A morte em Heidegger, Filosofia Vermelha

Nesta edição iniciamos uma nova secção chamada de questione! Vamos lançar uma questão para vocês para que seja respondida neste e-mail mesmo!

O que farias se hoje fosse o teu último dia de vida?

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O que me agrada é pensar que existe para cada pessoa que está no mundo uma filosofia; que a partir de sua individualidade possa refletir e escolher, assim tentando aproximar-se à sua própria verdade.
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O jogador desce as escadas que dão ao estádio. Lhe invade uma ânsia de vomito e sente o seu estômago soltar-se, como que desprender-se do seu corpo. Tal qual uma nota musical que aparece em meio ao silêncio o jogador se faz notar na quadra: ele é este ator que apresenta-se ao cenário, os holofotes o iluminam, os aplausos o elevam, ele está agora à vista, está exposto.
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Haverá alguma forma de filosofar sobre o basquete? Há alguma forma de respondermos às problemáticas humanas a partir de uma reflexão do jogo de basquete? Quando jogam, as pessoas dizem esquecer-se de todos os problemas, de por alguns momentos terem a impressão de que estão em alguma outra dimensão, em outro plano… mas… não será o próprio basquete uma forma de lidar com a vida ao invés de escapar-se dela? Não será o basquete já nossa vida e nele não estaremos também procurando resolver e compreender os problemas que nos esperam do outro lado das linhas que delimitam o templo que é a quadra de basquete? Assim como o jogo de basquete que se joga em seus quatro quartos, eu pretendo pensar o basquete em 4 textos e mais um, o Overtime.
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