27/2/2023

#3 - Epicuro ensina a viver o pós-carnaval

Epicuro ensinava que a gente não sabe bem quais são os desejos que devemos seguir e quais são os que realmente nos deixam felizes. Pois então, aqui estamos falando do desejo de continuar vivendo a felicidade que o carnaval nos propiciou mas não poder concretizá-la, só que será que este é um desejo que realmente nos deixaria felizes?
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Te desafiamos a refletir uma vez por semana sobre temas cotidianos tirados de sua normalidade. Se você veio procurando receitas de vida, saia agora! Acreditamos no desenvolvimento de ideias próprias e do pensamento livre e crítico. Não trabalhamos com verdades absolutas nem com fórmulas prontas. Aqui somente desenhamos ideias. Falamos sobre filosofia desde o lugar em que ela nasceu: nas conversas informais na rua, nos problemas do dia a dia. Viver é fazer filosofia. Seja bem-vindo.

Eu sou o Francisco e também o Chico e o Chiquinho. Eu olho pro mundo e questiono ele, aberto a receber todas as possíveis respostas que ele pode me dar.
Eu sou a filosofia que estudo e vivencio, sou as pessoas que me atravessam e sou ainda a criança que eu espero que nunca saia de mim. Sou meus escritos e minhas leituras, sou o amor aos meus pais e a meu irmão, a minhas amizades e a mim mesmo.
Assim, sou muitas coisas e fui outras: ainda serei, espero.
O que sou hoje me faz querer transmitir conhecimento às pessoas, expressar minhas verdades (que são bem fluídas) e aprender com todo aquele que eu conversar. Quero ajudar os outros a encontrarem suas verdades e no caminho também procurar a minha.

Edição dessa semana:

#3 - Epicuro ensina a viver o pós-carnaval

Investimento: 

8 min

“Nada é suficiente para quem o suficiente é pouco.”

Epicuro

E se todo dia fosse carnaval?

Agora que as ruas já não estão mais repletas de gente e que o meu corpo não está em modo sobrevivência - agora que o carnaval terminou - uma antiga frase do meu pai me vem à cabeça. Normalmente ele a diz em momentos que considera que eu extrapolo alguma vontade ou quando desejo algo além daquilo que é permitido em dias comuns, então, em seu espanhol condenador, ele me diz: “Te pensas que todos los dias es carnaval?!” (Tu acha que todo dia é carnaval?!).

Essa frase tem tons de angústia: ela dilacera a ilusão infantil que permanece na gente durante toda a vida, aquela de que as coisas prazerosas duram para sempre. No fundo, essa ilusão trata sobre a felicidade e sobre quanto e como a perseguimos. Mas se há uma verdade a ser dita aqui é que todos desejamos que, quando felizes e sentindo prazer, as coisas durem para sempre e que o carnaval seja sim todos os dias.

Mas o fato é que não é assim que a banda toca. O carnaval uma hora acaba (e precisa acabar), só que todos nós em alguma medida temos um probleminha com o fim das coisas; desde despedidas, mudanças, términos de relacionamentos ou a morte, o fim sempre carrega consigo uma paleta de cores melancólicas e fazendo alusão a um cantor argentino: “Todo lo que termina, termina mal”.

Isso tudo é compreensível e não negaremos que há uma visão mais otimista - a qual não trataremos aqui - que declara que em todo fim há um novo começo. O que procuramos nesta edição é entender como lidar com a dificuldade que temos com o fim das coisas que nos trazem felicidade (sob a ótica do fim do carnaval) e quais são as nossas alternativas diante disto.

1ª alternativa: Escape ou prolongamento

Um amigo chamado Iago deu uma alternativa para o fato de que o carnaval ia acabar. A ideia era que deveria haver carnaval durante todo o ano, só que em diferentes regiões do Brasil e durante diferentes etapas do ano. Por exemplo: fevereiro no Rio, março na Bahia e assim vai…

A ideia, que se assuma, é genial, mas ela tende à desmedida ou… como posso dizer? Inclina a gente a viver em uma aventura constante, intensa e nunca suprida. O negócio é que quanto mais a gente tem mais a gente quer, a Clarice Lispector disse de uma forma bem mais bonita: “provar pode se transformar numa sede cada vez mais insaciável”. O que dá graça às experiências é sua validade; as experiências seriam vazias se fossem eternas e assim também a felicidade, a tristeza and all of that.

Escapar ao fim de algo que nos gera prazer é tentar que o fim não nos alcance; prolongar uma felicidade não é continuar feliz, é viver da nostalgia de um dia em que o fomos. Portanto, a alternativa do escape ou prolongamento (que muitos de nós seguimos) não nós traz o que mais procuramos, que é estar bem, estar feliz. Então, o carnaval precisa sim chegar a um fim e a frase de meu pai, por mais chata que ela seja, nos revela uma verdade: a felicidade não se toma em doses diárias.

E por falar em desejo…

A palavra desejo, do grego “Epythimía”, significa “ter a mente voltada para algo”, ou seja, dizemos que o desejo é um impulso, uma procura pelo movimento. Desejar é um ato vital - só que falar em desejo não é falar em felicidade e nem em prazer, pois vemos que desejos concretizados muitas vezes não nos trazem felicidade e muitos desejos não procuram o prazer mas o seu contrário. O foda é que tem vezes que confundimos as coisas e achamos que a concretização dos desejos nos traz felicidade mas sempre chega o momento em que nos damos conta que a concretização deles nunca se sacia, pois concretizar o desejo é dar lugar a um novo desejo.

Eu já falei aqui de um maluco alemão em nossa #1 edição , o Arthur Schopenhauer, esse cara tinha uma frase para essa problemática dos desejos, ele dizia: “A realização dos desejos traz novas infelicidades e as infelicidades procuram realizar novos desejos” - essa visão é um pouco pessimista mas dá uma forma ao que queremos dizer.

Não quero criar climão: não tudo precisa ser felicidade ou sofrimento. Não quero dizer que ao acabar um momento de prazer automaticamente vamos entrar em uma espiral de tristeza e sofrimento… Só que mesmo sem perceber, de uma forma sútil, a gente sempre tá indo atrás do prazer, porque afinal, quem não quer ser feliz?

Pra tentar lidar com esse paradoxo dos desejos, do prazer, da felicidade humana e do nosso problema com o fim das coisas, a gente procurou lá nos cafofo da Grécia antiga, numa cidadezinha chamada de Samos, um filósofo pouco conhecido pela galera do nosso tempo.

2ª alternativa: Epicurista

O nome dele é Epicuro (324-271 a.C.) e ele foi um desfilósofo das doutrinas de sua época, pois é… doutrina e desfilosofia são palavras que não parecem bater muito, mas é que ele viveu no período helenístico e nessa época rolou a dominação e conquista da Grécia pelos macedônicos: Alexandre o Grande e toda a galera dominaram a porra toda ocasionando uma fusão da cultural ocidental com a cultura oriental e provocaram uma mudança radical na vida cotidiana dos cidadãos gregos.

Tá! E o que isso tem a ver com o Epicuro ser um desfilósofo das doutrinas?

A parte dele ser um desfilósofo se deve ao fato de que o cara era meio excêntrico (a gente adora uma excentricidade aqui): Epicuro montou sua escola num jardim (képos) isolado da cidade e era lá onde ele e seus discípulos moravam praticando a doutrina epicurista. Ele aceitava todo mundo que quisesse praticar seus preceitos éticos, foi um dos únicos a aceitar mulheres e escravos em seu jardim.

E quando falo que ele era das doutrinas é por que nesse período histórico da filosofia existiram as escolas helenísticas, essas escolas procuravam transmitir conhecimentos a todos aqueles que aderissem a elas, esse conhecimentos pretendiam ser aplicados na vida cotidiana com o fim de suprimir as inquietudes e perturbações da alma (Ataraxia). As escolas dessa época procuravam ser terapêuticas e assim, o conhecimento tinha uma utilidade, que era trazer a paz de espírito. Vocês devem conhecer o estoicismo, bem na moda em nossa época, que era uma escola desse período assim como o pirronismo, o cinismo e a que estamos aqui analisando: epicurismo, criada pelo nosso hômi da vez, o Epicuro.

Mas então como que o Epicuro nos ajuda a superar o carnaval?

Epicuro ensinava que grande parte de nossa infelicidade é originada pelos desejos daquilo que não podemos ter. Ele acreditava que a gente não sabe bem quais são os desejos que devemos seguir e quais são os que realmente nos deixam felizes. Pois então, aqui estamos falando do desejo de continuar vivendo a felicidade que o carnaval nos propiciou mas não poder concretizá-la, só que será que este é um desejo que realmente nos deixaria felizes?

Epicuro fazia uma distinção bem clara entre prazer e dor; para ele o prazer era a finalidade da vida humana e chegou a escrever assim: “O prazer é o início e o fim da vida feliz”. Só que isso pode causar confusão e nos levar a pensar que uma quantidade enorme de prazer é o que precisamos para sermos felizes: isso seria cair em um hedonismo bizarro que o próprio Epicuro em uma frase de sua carta à Meneceu esclarece não ser: “avaliar os prazeres e sofrimentos de acordo com o critério dos benefícios e dos danos”, isto é, é necessário ponderar os prazeres e ter a famosa prudência.

O prazer do carnaval é um prazer do corpo (segundo a filosofia das salas de aulas): beber o dia todo, beijar em um monte de bocas, dançar e rir. Realmente, o prazer do carnaval não tem medida, não há avaliação nem critério de benefícios e danos. Portanto, para Epicuro este é um tipo de prazer que não deve ser perseguido com tanto afinco.

O Epicuro talvez não iria em todos os bloquinhos e nem ficaria bêbado todos os dias, pois para ele isto ultrapassaria a medida dos prazeres que evadem a perturbação da alma. A procura para encontrar a paz da alma para Epicuro se tratava de achar um prazer que fosse autossuficiente, comedido, simples, e este era o cerne de sua doutrina: achar o prazer mais simples possível, o de existir.

Epicuro nos diria que agora que o carnaval acabou que nos acalmemos, que procuremos a solidão, a vida reflexiva, que fiquemos perto de nossas amizades e nos afastemos de desejos vazios e supérfluos como esses que somente prometem alcançar o gozo corpóreo.

*Tradução de termos que utilizo em outras línguas ao longo do texto:

And all of that: "E tudo isso…"
Ataraxia: ausência de inquietude/perturbação.

Vai pro sebo mais próximo da tua casa ou pega um pdf mesmo! Aqui é a seção:

Bota o cérebro pra trabalhar com a leitura hardcore da semana!

Em toda edição organizamos uma coletânea de três recomendações que envolvem: podcast, música e filme ou série, que procuram ser relacionados com o tema da edição da semana, mas que também podem ser aleatórios e serem super legais para refletir um pouquinho.

Música 🎵

Galera, esse álbum é foda pra caralho, e tá relacionado com o filme da semana que recomendamos com amor e carinho. Esses sons são muito bons, te fazem sentir em uma viagem e te trazem uma sensação de liberdade surreal.

Into The Wild (Music For The Motion Picture)

Vídeo 🎥

Gente esse daqui foi garimpado então vão lá assistir por que é muuuuito bom!!! O vídeo se passa nos locais onde Epicuro esteve, na Grécia, é legendado e trata sobre a felicidade para Epicuro. Vale a pena para se aprofundar um pouco mais e ver se faz sentido para vocês a doutrina epicurista.

Epicurus on Happiness - Epicuro e a Felicidade - Alain de Botton

Filme ou série 🎥

O filme dessa semana está ligado à doutrina epicurista de viver: se desapegar dos bens materiais, criar autossuficiência e ter uma reflexão sobre a vida. Todos preceitos que Epicuro pregava para se alcançar a felicidade. O maluco nessa história se joga em uma viagem de autoconhecimento e de vivência de seu ser. Esse filme marcou minha vida. É intenso, é tão potente, pqp!! Vão olhar!

Na Natureza Selvagem (Into the Wild)

Para esse começo de semana trazemos uma poesia para adoçar a alma, é linda demais: com vocês nosso querido Manoel de Barros.

Retrato do artista quando coisa

A maior riqueza

do homem

é sua incompletude.

Nesse ponto

sou abastado.

Palavras que me aceitam

como sou

— eu não aceito.

Não aguento ser apenas

um sujeito que abre

portas, que puxa

válvulas, que olha o

relógio, que compra pão

às 6 da tarde, que vai

lá fora, que aponta lápis,  

que vê a uva etc. etc.

Perdoai. Mas eu

preciso ser Outros.

Eu penso

renovar o homem

usando borboletas.

Manoel de Barros

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O que me agrada é pensar que existe para cada pessoa que está no mundo uma filosofia; que a partir de sua individualidade possa refletir e escolher, assim tentando aproximar-se à sua própria verdade.
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